Quando Renan Dutra Urban, advogado tributarista do Benites Bettim Advogados explicou que a nova regra "uniformiza normas até então fragmentadas", ninguém poderia imaginar o volume de discussões que surgiriam nos tribunais estaduais. A ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) passa, a partir de 2025, de um modelo quase que uniforme para um sistema de alíquotas progressivas, conforme determina a Emenda Constitucional 132/2023. O que muda? O tributo deixa de ser proporcional ao valor do bem e começa a respeitar a capacidade contributiva do contribuinte, com teto máximo de 8 % – limite fixado pela Resolução 9/1992 do Senado Federal. Essa mudança tem reflexos imediatos nos processos de planejamento sucessório e na arrecadação estadual, afetando milhões de famílias que pretendem transferir patrimônio em herança ou doação.
Contexto da reforma tributária
A Constituição Federal, em seu artigo 155, § 1º, VI, já previa que o ITCMD poderia ser progressivo, mas até 2023 apenas 18 estados haviam adotado tal modelo. A aprovação da EC 132/2023 nos últimos dias de 2023 rompiu o impasse, impondo a obrigatoriedade da progressividade a todos os entes federados. O "porquê" da medida – além da justiça fiscal – está ligado ao princípio da capacidade contributiva, reforçado nas discussões do Senado Federal. Assim, a alíquota mínima continuará sendo a fixa de 4 % que alguns estados já praticam, mas a margem superior poderá chegar a 8 % a depender do valor da transmissão.
Estados que já adotam a progressividade
Até o fim de 2024, 18 unidades federativas operavam com tabelas progressivas: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Acre, Rondônia, Pará, Tocantins, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Maranhão, Amapá, Amazonas, Bahia (parcialmente) e Piauí (parcialmente). Nessas regiões, a alíquota sobe gradualmente – por exemplo, quem transfere um imóvel avaliado acima de R$ 1,5 milhão no Rio de Janeiro paga 8 % na faixa mais alta, enquanto quem transfere até R$ 200 mil paga apenas 2 %.

Desafios dos estados com alíquota fixa
Por outro lado, nove estados ainda mantêm alíquotas únicas, em conflito direto com a EC 132/2023. São eles: São Paulo (4 %), Minas Gerais (4 %), Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Roraima (4 %), Alagoas, Rio Grande do Norte (4 %) e Paraná. "A manutenção de alíquota única em 2025 torna a exigência do imposto inconstitucional", argumentam os advogados da Madrona Advogados. Eles recomendam que, caso a lei estadual não seja publicada até 31 de dezembro de 2025, os contribuintes podem pleitear a não‑incidência do ITCMD naquele exercício, com base na anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, III, b e c da Constituição.
Em São Paulo, duas propostas tramitam simultaneamente. O PL 409/25 quer introduzir a progressividade, mas limita o teto a 4 %, enquanto o PL 7/24 propõe faixas entre 2 % e 8 %. Se aprovados, o estado ainda terá que observar a regra dos 90 dias após a publicação, o que significa que as novas alíquotas só entrarão em vigor no primeiro trimestre de 2026.
Impactos para o contribuinte e planejamento sucessório
Para quem está organizando herança ou doação, a mudança traz uma série de cálculos a mais. Um exemplo prático: um casal de São Paulo que pretende transferir um imóvel de R$ 3 milhões para os filhos teria pago, sob a taxa fixa de 4 %, R$ 120 mil de ITCMD. Se a progressividade de 8 % for adotada, o valor poderia dobrar, chegando a R$ 240 mil, dependendo da faixa aplicada. Por outro lado, quem está em um estado que já tem tabelas progressivas pode se beneficiar de alíquotas menores se o bem for relativamente modesto.
Especialistas como Michel Siqueira Batista e Caio Persici, citados pelo site Legislação & Mercados, alertam que o planejamento sucessório precisará incluir "cláusulas de revisão" para se adaptar às possíveis variações de alíquota. "Uma vez que a progressividade das alíquotas do ITCMD seja aprovada pelos Estados, e ocorra a respectiva sanção e publicação da lei local, há que se respeitar a regra da anterioridade anual e nonagesimal", dizem eles. Em termos práticos, isso força escritórios de advocacia a reavaliar protocolos de inventário, a considerar menores valores de doação em vida e até a usar instrumentos como o usufruto para mitigar o impacto tributário.

Próximos passos e possíveis alterações legislativas
A Resolução 9/1992 ainda permite ao Senado elevar o teto de 8 % para 16 % ou até 20 %, embora ainda não haja consenso. Se isso acontecer, estados que já operam com tabelas progressivas precisarão ajustar as faixas, e os que ainda mantêm alíquota única podem enfrentar ainda mais pressão judicial. Enquanto isso, o Calendário da EC 132/2023 indica que os tribunais estaduais já estão recebendo ações para suspender a cobrança de alíquotas fixas em 2025.
Para o contribuinte, a melhor estratégia hoje é ficar atento aos prazos de publicação das novas leis estaduais e, se possível, antecipar transferências de bens antes da vigência das alíquotas progressivas. Caso contrário, o risco de multa por cobrança indevida – que pode chegar a 20 % do valor do tributo – aumenta significativamente.
Perguntas Frequentes
Como a nova regra do ITCMD afeta heranças de alto valor?
Em estados que adotarem a progressividade, valores acima de R$ 1,5 milhão podem ser tributados em até 8 % – o dobro da alíquota fixa de 4 % praticada em alguns lugares. Assim, uma herança de R$ 5 milhões pode gerar cobrança de até R$ 400 mil, comparado com R$ 200 mil se a taxa fixa fosse mantida.
Quais estados ainda não implementaram a progressividade?
São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Roraima, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraná mantêm alíquotas fixas, o que pode tornar a cobrança do ITCMD inconstitucional a partir de 2025 se não houver mudança legislativa.
Quando as novas alíquotas entram em vigor?
A EC 132/2023 determina que os estados publiquem a nova lei até 31 de dezembro de 2025. Após a publicação, a regra da anterioridade nonagesimal exige um intervalo de 90 dias, ou seja, as alíquotas passam a ser exigidas a partir do primeiro trimestre de 2026.
É possível contestar o ITCMD se a alíquota fixa for cobrada?
Sim. Advogados especializados em direito tributário, como os da Madrona Advogados, recomendam ajuizar ação declaratória para suspender a cobrança e, se for o caso, pleitear devolução dos valores pagos indevidamente.
O teto de 8 % pode ser alterado?
A Resolução 9/1992 do Senado permite uma revisão futura. Existem discussões para elevar o teto para 16 % ou 20 %, mas até o momento não há proposta formal em votação.