Em um movimento sem precedentes, o Fundo Garantidor de Créditos vai passar por uma reforma estrutural em 2026 — não por escolha, mas por necessidade. O maior rombo da sua história, de R$ 41 bilhões, foi aberto pelo colapso do Banco Master S.A., cujas fraudes foram desvendadas pela Operação Compliance Zero da Polícia Federal. O banco foi liquidado extrajudicialmente em 18 de novembro de 2025, e seu dono, Daniel Vorcaro, foi preso. O sistema financeiro brasileiro nunca havia enfrentado um desastre tão grande — e agora, as regras mudam para nunca mais permitir isso.
Por que o Banco Master foi tão perigoso?
O Banco Master S.A. não era apenas um banco mal administrado. Era um castelo de cartas. Em março de 2025, seu patrimônio líquido era de R$ 3,2 bilhões — um número que, por si só, já parecia modesto. Mas seu passivo exigível? Era 26 vezes maior. Isso significa que, para cada real de capital próprio, ele tinha R$ 26 em dívidas. O limite recomendado pelo Banco Central? Entre 10,5% e 13% de alavancagem. O Master tinha mais de 2.500%. E ainda assim, conseguia captar recursos com a garantia do FGC — até 75% de suas captações. Era como permitir que um motorista sem habilitação dirigisse um caminhão cheio de dinamite.As novas regras: o que muda e por que importa
A Resolução do Conselho Monetário Nacional, publicada em novembro de 2025, impõe duas mudanças duras: primeiro, o limite de captação com garantia do FGC cai de 75% para 60%. Segundo, a contribuição mensal dos bancos associados sobe de 0,01% para 0,02% sobre os depósitos. Parece pouco? Não é. Para bancos menores, isso representa um aumento de custo de até 100%. E é exatamente isso que o sistema quer: tornar inviável o modelo de crescimento baseado em dívida e risco.“Isso não é só prevenção. É punição preventiva”, disse um ex-diretor do Banco Central do Brasil, que pediu anonimato. “O FGC não é um seguro de vida para bancos malfeitos. É um paraquedas para o sistema. E o Master usou esse paraquedas como um trampolim para o abismo.”
Quem é protegido — e quem não é
O FGC continua garantindo até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição financeira. Mas há um limite total: R$ 1 milhão a cada quatro anos. Isso quer dizer que, se você tiver R$ 300 mil no Master e R$ 300 mil no Banco do Nordeste, e os dois quebrarem dentro de quatro anos, você só recebe R$ 500 mil — não R$ 600 mil. Contas conjuntas? R$ 250 mil divididos entre os titulares. E mesmo assim, o FGC ainda mantém uma modalidade especial, a DPGE, que garante até R$ 20 milhões — mas só para fundos de pensão, entidades sem fins lucrativos e alguns poucos casos de grande relevância social.Quem perdeu dinheiro no Master? Quem investiu além do limite. Quem acreditou que “se é banco, é seguro”. E agora, o FGC está em processo de identificação dos credores — uma tarefa complexa, envolvendo mais de 50 subsidiárias e 200 mil contas. O prazo médio para ressarcimento? 30 dias úteis após a listagem oficial, que só começou na semana de 18 de novembro.
Por que os grandes bancos não estão satisfeitos
Curiosamente, os grandes bancos não estão comemorando. “Eles estão pagando a conta de um que nem deveria existir”, comentou um executivo de um dos principais grupos financeiros do país. “Agora, todos nós vamos ter que aumentar capital, reduzir alavancagem — e isso vai impactar os juros, os empréstimos, as taxas. O consumidor vai sentir.”Eles têm razão. A reforma do FGC não é só sobre punir o Master. É sobre mudar o comportamento de todo o sistema. Bancos menores, que dependem de captação externa para crescer, agora terão menos acesso a recursos baratos. Isso pode levar a uma concentração ainda maior no mercado — e a menos concorrência. É um dilema: proteger o sistema ou proteger o consumidor? O governo escolheu o sistema. Mas o preço será pago por todos.
O que vem depois?
O Banco Central já está estudando uma segunda onda de medidas. Uma delas: exigir que bancos mantenham ativos de alta liquidez — como títulos públicos — em proporção direta ao volume de captação com garantia do FGC. Ou seja: se você quer usar o fundo, precisa ter dinheiro fácil no caixa. Não pode depender só de promessas.Além disso, há pressão para revisar o teto de R$ 250 mil. Em outros países, como nos EUA, o limite é de US$ 250 mil — mas ajustado pela inflação. No Brasil, o valor não é reajustado desde 2012. Hoje, com a inflação acumulada, R$ 250 mil em 2012 equivalem a cerca de R$ 480 mil em 2025. A pergunta que ninguém quer fazer: será que o FGC ainda protege, ou só ilude?
Um legado de desconfiança
O caso Master deixou mais que um rombo financeiro. Deixou uma ferida na confiança. Milhares de pequenos investidores, que acreditaram que “o FGC protege”, agora olham para qualquer banco com desconfiança. E isso, talvez, seja o maior custo de todos.Frequently Asked Questions
Como funciona o ressarcimento do FGC após a falência de um banco?
Após o decreto de liquidação pelo Banco Central, o FGC recebe a lista oficial de credores e valores devidos. O processo leva, em média, 30 dias úteis. O ressarcimento é feito por CPF ou CNPJ, respeitando o limite de R$ 250 mil por instituição e R$ 1 milhão a cada quatro anos. Para contas conjuntas, o valor é dividido entre os titulares.
O limite de R$ 250 mil ainda é suficiente hoje em dia?
Não. O valor não é reajustado desde 2012, e a inflação acumulada já o desvalorizou em cerca de 48%. Hoje, R$ 250 mil equivalem a pouco mais de R$ 480 mil em poder de compra real. Muitos especialistas pedem ajuste imediato, mas o governo ainda não se posicionou. Para pequenos investidores, o risco de perda aumenta significativamente.
Por que o Banco Master conseguiu captar tanto dinheiro com garantia do FGC?
Antes da reforma, bancos podiam usar até 75% das captações com garantia do FGC — um percentual excessivo. O Master explorou essa brecha, usando recursos garantidos para financiar dívidas que nem sequer tinham cobertura de ativos. O sistema não tinha mecanismos de alerta precoce, e os auditores internos foram corrompidos ou ignorados.
As novas regras vão impedir que outro banco como o Master surja?
São um passo importante, mas não são suficientes. Limitar a captação e aumentar contribuições ajuda, mas não resolvem a falta de fiscalização proativa. O Banco Central ainda depende de relatórios de auditoria — e o Master falsificou os seus. A próxima fase deve exigir transparência em tempo real e monitoramento algorítmico de alavancagem.
O que acontece se eu tiver dinheiro em dois bancos que quebram ao mesmo tempo?
Você recebe até R$ 250 mil em cada instituição, desde que a quebra ocorra dentro de um período de quatro anos. Mas o teto total é de R$ 1 milhão. Se você tiver R$ 600 mil em dois bancos que falirem juntos, receberá apenas R$ 500 mil — não R$ 600 mil. A regra não é por banco, é por período e por CPF.
O FGC pode falir?
Tecnicamente, não. Ele é financiado pelos próprios bancos e pode contar com empréstimos do Banco Central em situações críticas. Mas o rombo de R$ 41 bilhões já esgotou sua reserva. Se outro grande banco falir antes da nova contribuição entrar em vigor, o FGC dependerá de recursos públicos — o que pode gerar pressão política e inflacionária.